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Jovem Cientista | Fã de Grey’s Anatomy, biomédica estuda toxinas contra o Alzheimer: “Quero mostrar às pessoas que tem alguém pesquisando por elas”

Mestranda do Butantan, Isabella Moraes investiga o potencial terapêutico de peptídeos do veneno do escorpião-marrom e sonha em ser referência em sua área de atuação


Publicado em: 24/07/2025

Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Renato Rodrigues

Independência e empatia são valores que a paulistana Isabella Jesus Moraes, 23, carrega desde criança. Criada em uma casa de cinco mulheres – a mãe, as duas irmãs, a tia e a avó –, a jovem aprendeu cedo que era preciso batalhar pelas próprias conquistas e sempre manifestou um interesse por cuidar do próximo. Curiosa sobre o funcionamento do corpo humano, tinha facilidade nas aulas de biologia, adorava pesquisar sobre saúde na internet e, muitas vezes, ficava grudada na televisão assistindo a sua série médica favorita, Grey’s Anatomy. 

Ao chegar na tão esperada fase do vestibular, a jovem já tinha certeza que seu destino era contribuir para a saúde das pessoas, mas não queria ser médica: ela era fascinada pelo ambiente de laboratório. Sob orientação de uma professora do terceiro ano do Ensino Médio, encontrou seu caminho no curso de Biomedicina. Uma escolha que, mais tarde, a levaria ao Instituto Butantan para pesquisar toxinas com potencial terapêutico contra o Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta a memória e a cognição.

“As pessoas sempre me falaram que eu passo esse ar de amorosidade, de carinho com o próximo. E trabalhar na área da saúde é isso: nunca é focado em você, é sempre para o outro”

 


No início de 2024, quando estava no último ano da graduação na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), Isabella soube de uma oportunidade de iniciação científica (IC) no Laboratório de Bioquímica do Butantan, por indicação da amiga Nicole que havia concluído um projeto no mesmo laboratório. Determinada a aprender sobre pesquisa, uma realidade que lhe parecia distante e pouco explorada na faculdade privada, a estudante embarcou no desafio e foi aprovada na entrevista com o pesquisador Emidio Beraldo Neto, que seria seu orientador.

“Estar no Butantan, que é uma referência para qualquer pessoa da área biomédica, parecia algo impossível”, lembra a jovem, que acaba de se formar e ingressar no mestrado em Toxinologia do Instituto para dar continuidade aos estudos.

Assim que começou a IC, Isabella, que é apaixonada por neurociência, pediu para estudar uma patologia que a ajudasse a contribuir com a saúde humana. O foco escolhido pela dupla foram os efeitos da bufotenina – substância presente no veneno de sapos dos gêneros Bufo e Rhinella – em modelos celulares de Alzheimer.

“O Alzheimer é uma doença difícil que afeta muitas pessoas, e eu sempre quis entender como o nosso corpo responde a esse tipo de patologia”

Estudos de outros cientistas já haviam demonstrado que a bufotenina tinha ação neuroprotetora. Para complementar a literatura sobre o assunto, a estudante decidiu analisar se a substância poderia reduzir o acúmulo de proteína beta-amiloide nas células nervosas, uma vez que o excesso dessa proteína está associado ao desenvolvimento da doença. Isabella também avaliou os efeitos da bufotenina em tecidos e órgãos de modelos animais, identificando uma atividade anti-inflamatória. 



 

Muito além da bancada

Apesar de ter obtido resultados limitados devido ao curto período da IC, a experiência foi transformadora. Para a hoje biomédica, que conhecia o Butantan principalmente por sua atuação no desenvolvimento de vacinas, a possibilidade de estudar toxinas de animais para identificar agentes terapêuticos foi uma surpresa. Mais impressionante ainda foi descobrir a complexidade da rotina de um laboratório. 

“Fazer experimentos na bancada é só uma parte do processo. Você tem aulas, palestras, congressos científicos para ir; tem que ler muitos artigos, escrever bastante, seguir vários protocolos. Eu não sabia que a pesquisa científica também envolvia trabalho no computador, por exemplo”, diz.

Os desafios não pararam por aí. Em dezembro, após a conclusão da iniciação científica, Isabella apresentou seu projeto para especialistas do Butantan inteiro na Reunião Científica Anual da instituição. Foi a primeira vez que falou em público sobre pesquisa – e diante de tantas mentes experientes, o frio na barriga foi ainda maior.

“É uma responsabilidade enorme você passar todas as informações corretamente, mas é muito legal ver as pessoas interessadas pelo seu trabalho. E quando descobri que os doutorandos tinham que apresentar tudo em inglês, isso me impulsionou para voltar a estudar o idioma e me aprimorar para prestar o mestrado”, conta a jovem.
 

Isabella e seu orientador Emidio Beraldo Neto
 

Aprovada no mestrado em Toxinologia do Instituto Butantan no início do ano, Isabella Moraes continua investigando possíveis terapias para o Alzheimer, agora a partir de proteínas extraídas do veneno do escorpião-marrom (Tityus bahiensis), uma linha de pesquisa mais avançada do laboratório. O projeto é a continuação de um estudo publicado em novembro pelo grupo de Emidio Beraldo Neto, que identificou um peptídeo capaz de promover a proliferação celular e a neuroproteção – o que o torna um candidato promissor para tratar doenças do sistema nervoso.

Para testar o composto, é preciso “separá-lo” do veneno com equipamentos de espectrometria de massas – técnica usada para identificar e quantificar moléculas presentes em uma amostra. Com isso, é possível isolar o peptídeo e obter sua sequência, viabilizando a produção em laboratório. “Após essa etapa, nós vamos testar o peptídeo em células de linhagem primária de hipocampo, que é a região do cérebro onde há maior acúmulo de beta-amiloide”, explica Isabella.
 

 

Um desvio (bem-vindo) de rota

Quem vê a aluna orgulhosamente usando seu jaleco e falando com empolgação sobre os complexos equipamentos do laboratório, carinhosamente apelidados de “massas”, não imagina que fazer pesquisa não era o plano original para depois da formatura. O objetivo de Isabella após a IC era buscar um emprego na indústria farmacêutica – uma forma indireta de realizar o sonho da mãe, que queria que ela cursasse Farmácia.

A decisão de continuar no laboratório foi motivada, em grande parte, pelos próprios colegas, que se tornaram uma verdadeira rede de apoio. “Quando comecei a iniciação científica, me comparava muito e me perguntava se eu tinha capacidade de estar aqui no Butantan. Mas os demais alunos, como a Maria Vitória, o Rodrigo, o José, o Oscar e tantos outros, me mostraram que todos podem, sim, aprender e se desenvolver na pesquisa”, destaca.

Agora, no mestrado, Isabella deseja fazer por outros estudantes o mesmo que fizeram por ela: sua meta é se tornar uma referência, contribuindo para o desenvolvimento dos colegas e para o avanço da ciência. Para isso, acredita que basta ter vontade e dedicação, e entender que a frustração também faz parte do processo, mas que não se pode desistir.

“Ciência é quebra de expectativas. Você tem um planejamento e vai testar, mas tudo pode dar errado. E aí você vai precisar ter uma nova ideia e começar de novo”



 

Trabalhar pelo outro

Primeira da família a seguir uma carreira na área da saúde, Isabella Moraes tem a mãe como maior inspiração. A matriarca, que passava dia e noite trabalhando para sustentar a casa, ensinou as três filhas que era importante lutar pelo próprio sucesso e jamais depender de ninguém. As meninas não deixaram por menos: a mais velha formou-se em Engenharia e já tem sua própria casa, enquanto a mais nova está na metade da graduação em Direito. 

Isabella, filha do meio, está planejando fazer uma segunda faculdade em Farmácia ou seguir para o doutorado após a conclusão do mestrado. Independente da escolha, seu desejo é o mesmo: continuar trabalhando pela saúde pública.

“Quero mostrar às pessoas que tem alguém pesquisando por elas, cuidando delas, mesmo que elas não conheçam”

Desde que entrou no Butantan, a jovem ficou tão envolvida nos projetos do laboratório que ainda nem conseguiu visitar todos os museus do Parque da Ciência, mas não vê a hora de trazer a família para um passeio. Antenada às demais esferas do Instituto, Isabella gosta de acompanhar a diversidade de ações de pesquisa e difusão científica realizadas aqui, e costuma compartilhar seu dia a dia de laboratório nas redes sociais.

Do ano passado para cá, a insegurança de uma estudante recém-aprovada na iniciação científica deu lugar a uma mestranda mais experiente e confiante, determinada a deixar sua marca e inspirar outros jovens.

“Quando você tem o primeiro contato com a pesquisa, você pode achar que é difícil e talvez não seja capaz, mas você é. Tenha um objetivo, corra atrás dele e não olhe para trás”